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domingo, 1 de abril de 2018

O status quo das nossas rotinas cotidianas

Achei que seria divertido (e econômico) eu sair da minha rotina de motorista. Resolvi fazer uma viagem Belém-Mosqueiro de ônibus. De certo modo a experiência foi bem mais divertida (e econômica) do que eu imaginei.
Era pouco mais de sete horas da manhã quando saí de casa com minha velha mochila nas costas rumo ao ponto de ônibus. Percorri o trajeto caminhando sem pressa no intuito de não deixar escapar nenhum detalhe urbano que fosse invisível aos olhos dos motoristas.
Por exemplo, desde a infância eu admiro a imponência daqueles bustos na fachada principal do mercado de São Brás e, sempre que passo por ali, paro uns segundos para olhar. Realmente, eu diria que são touros pra Wall Street nenhuma botar defeito.
Chegando naquela primeira Estação do BRT em frente ao Terminal Rodoviário, pedi informação:
- Amigo, onde fica a parada do ônibus que vai pra Mosqueiro?
- O genérico? Se for o Genérico fica lá.
- Então descubro que a parada do buzão genérico, aquele semelhante aos que rodam entre os bairros da grande Belém, ficava quase em frente à agência dos correios e para minha decepção, eu tinha andado mais que o necessário, passei parada e mais ainda, perdi um ônibus que acabará de sair.
Na parada já se concentrava pelo menos umas 12 pessoas e a cada momento, mais gente chegava. Ao me aproximar, um sujeito de pele avermelhada (sabrecada de sol), cabelo sarará e corte moicano, educadamente, me cede seu lugar no banco.
Bom, para encurtar conversa, eu não conhecia aquele homem, aliás, para falar a verdade nunca o vi antes na vida, mas ele parecia famoso, se comportava como gente famosa, comunicativo e solicito a todo instante, era ninguém menos que o vendedor de jornais do ponto de ônibus.
Perguntei se o próximo ônibus a Mosqueiro demoraria a chegar. O distinto vendedor sorriu dizendo: - Não, mas a viagem... hummm.
Ao meu lado uma moça falava ao celular, falava auto sem se importar se estávamos ouvindo sua conversa. Mais adiante, outras pessoas conversavam sobre assuntos diversos e, à medida que outros iam chegando, sutilmente entravam na conversa, tudo acontecendo de forma natural. Ninguém pedi licença e coisa e tal, bastava chegar, ouvir um pouquinho e já estava habilitado a opinar ou simplesmente rir.
Para espanto meu, a interação entre aquelas pessoas ocorria de forma tão espontânea que comecei a me sentir um intruso, um estranho no ninho, era como fazer parte daquele filme “ O Show de Truman” onde neste caso, eu era o próprio Truman.
Dizia o jornaleiro: - eu preciso de uma mulher trabalhadora, porque minha parte eu faço, sendo preciso trabalho de manhã, de tarde e de noite, 24 horas ligado.
- E tome risada, daí um outro sujeito diz: - eita “mentiroso”.
- E tome risada.
A moça que falava ao celular, desliga o aparelho e sai apressada, nisso, o jornaleiro berra: - Ei, a senhora vai se encontrar com ela em Marituba?
- Sim, vou levar minha mãe para fazer uma ultrasom, mas ela marcou comigo aqui e foi para outro lugar, haja paciência !
- Pega o Marituba lá do outro lado.
- Ok, valeu, tchau.
Será que aquelas pessoas se conheciam? Quem sabe o entrosamento narrado não seria parte da rotina matinal daquelas pessoas? Mas o fato de se encontrarem todos os dias no ponto de ônibus justificaria todo aquele bom humor e entrosamento?
Esse clima de amizade no ponto de ônibus, manifestado por pessoas aparentemente estranhas entre si, contrastou com cenas que vejo todas as manhãs da porta de casa.
Não raro avisto jovens estudantes desembarcam de carros luxuosos como robôs e, uma vez despejados nas portar dos colégios e cursinhos, estes cara pálidas quase não têm a chance de dizerem um “tchau papai”, “até logo mamãe”, pois seus "pais zumbis" também estão mergulhados em suas próprias rotinas, lutando contra o relógio para manterem o Status Quo exigido pelo tecido social do qual todos nós somos reféns.
Sinceramente, foi fantástico ver toda aquele zum-zum-zum matinal vindo de trabalhadores, gente simples, honesta, alegre que se preparava para encarar mais uma jornada de trabalho, sem perder a noção de humanidade e do significado mais profundo por trás de suas rotinas, e o mais legal, vi tudo isso pagando meros cinco reais.

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