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domingo, 29 de maio de 2011

Os quatro mitos da educação médica

      Minha experiência na educação médica tem dois aspectos, um do lado do aluno e outro mais recentemente do lado do professor. Como estudante foi bastante conturbada, sobretudo, devido a necessidade que eu tinha de conciliar uma rotina profissional, pois a época eu já era professor de Biologia no ensino médio e trabalhava à noite. 

Como agravante minha turma experimentou um período de intensa transformação no âmbito do projeto pedagógico do curso de medicina na UFPA.
     Estas mudanças foram realmente necessárias e certamente trariam importantes benefícios ao curso e a formação médica. Neste período, pudemos identificar alguns mitos no processo ensino e aprendizagem, também percebidos por outros estudantes em outras faculdades pelo Brasil, o que nos faz concluir que se trata de um fenômeno generalizado, presente em muitas outras faculdades medica do Brasil que igualmente a UFPA, estão experimentando mudanças em seus currículos. Neste sentido o professor  Júlio  Voltarelli, em publicação na revista médica, examina quatro destes interessantes mitos. Vejamos:
1) O mito da observação clínica completa:
   Na educação médica tradicional, a qualidade da consulta médica,confunde-se com o preenchimento de todas as etapas (e das anotações correspondentes) da história clínica e do exame físico, incluindo a revisão dos sintomas e dos sinais de todos os sistemas orgânicos. Assim, qualquer curso de Semiologia Médica tem por objetivo terminal, a obtenção desta “observação clínica completa”, a qual, acoplada à sua análise adequada, constituía meta do próprio curso médico. Entretanto, esta tarefa hercúlea demanda tanto tempo e esforço para ser realizada, na forma preconizada nos manuais, que ela é raramente realizada ou avaliada, seja no final do curso de Semiologia, seja no término do curso médico. Os textos mais modernos de Semiologia já desmistificam a “história clínica completa” discutindo a utilidade de um “exame físico periódico” para detectar e prevenir doenças em indivíduos assintomáticos.
      Pesquisas randomizadas têm demonstrado que a realização do exame clínico direcional é perfeitamente capaz de reduzir a morbidade e a mortalidade a partir de um número menor de procedimentos semiológicos. Entretanto, não há dúvida de que o estudante de medicina deve ser treinado a realizar todos os passos da observação clínica, através da repetição exaustiva da mesma, ao longo de todo seu aprendizado e não só do curso introdutório de Semiologia. Mas, ele também precisa ser esclarecido e treinado, desde o início, para o fato de que nenhuma das observações que realiza, será realmente “completa”, pois a extensão e profundidade da abordagem de cada sistema, dependerá de muitas variáveis e principalmente, da natureza do problema médico e da própria experiência clínica do examinador.
2) O mito da hierarquização do aprendizado:
    A pedagogia tradicional leva ao extremo a hierarquia das disciplinas na construção do currículo médico. O Básico antes do Clínico e este antes do Internato; a Morfologia antes da Fisiologia e esta antes da Farmacologia e da Patologia. A Semiologia antes da Clínica e da Terapêutica, a Técnica Cirúrgica antes da Clínica Cirúrgica e assim por diante.  A lógica, aparentemente irrefutável, desta hierarquia apregoa que o estudante necessita adquirir conhecimentos básicos como requisito prévio para, gradativamente aplicá-los na resolução dos problemas dos pacientes.  Contudo, estas prerrogativas estão em xeque com a introdução de uma nova abordagem denominada Problem Based Learning (PBL), ou seja, aprendizado baseado em problemas. Como se sabe, este método revolucionário de ensino médico, tem sido crescentemente adotado em todo o mundo, fundamentando todo o aprendizado desde o ciclo básico até o avançado na resolução de casos clínicos, motivando e mobilizando o acadêmico através da apresentação de problemas reais.
3) O mito da imaturidade do estudante:
   Supõe que o estudante nunca está capacitado para estudos mais avançados, necessitando sempre de um longo tempo de preparação básica. Entretanto, o sucesso do PBL aplicado desde o início do curso em várias escolas médicas, desmente a necessidade desta hierarquização de conhecimentos e, principalmente, a tese da “imaturidade” do estudante do ciclo básico. Neste sentido, o professor Dr. Júlio  Voltarelli questiona:  Qual é o milagre que se opera nos anos de Internato e, principalmente, durante a Residência Médica, em que o estudante assume a responsabilidade pela resolução de problemas clínicos e, por conseguinte, de seu próprio aprendizado, tornado-se, no final, um profissional responsável e competente? O mito da imaturidade do estudante é um dos mais destrutivos para a educação médica, devido suas variadas implicações, pois causa um certa dependência do professor, ou pior, do especialista. O aprendizado se limita  ao interior do hospital universitário, muitas vezes apenas com aulas expositivas ou demonstrativas. Por outro lado, implica também que o interno está “maduro demais” para ser avaliado, concentrando a carga avaliativa de provas e exames ao perído de formação anterior ao internato, ou seja, nos quatro primeiros anos do curso.
4) O mito da interdependência das disciplinas:
   A integração do ensino, tanto em nível vertical (básico-clínico) como horizontal (básico-básico ou clínico-clínico) é uma das metas do currículo médico mais difíceis de serem alcançadas. Isso ocorre devido a este mito. Particularmente, pude perceber que a reforma curricular que experimentamos na UFPA durante os anos de graduação (2002 a 2007) objetivou a integração do ensino pela criação de blocos didáticos de disciplinas, denominados de PCIs (Programa Curricular Integrado). Estes blocos eram baseados em sistemas orgânicos, tanto no Ciclo Básico como no Clínico. Neste, vários blocos de integração, alguns se instalaram com sucesso, unindo disciplinas clínicas e cirúrgicas (Cardiovascular, Renal, Aparelho Digestivo, Respiratório), outros nem tanto. Na prática, não se assegurou a integração de conhecimentos pela simples concomitância de aulas sobre assuntos relacionados. Apesar deste modelo ter representado um avanço em relação ao ensino tradicional baseado em disciplinas estanques, ele não foi suficiente para produzir uma verdadeira interdisciplinaridade curricular. Já o modelo PBL está em franca execução em muitas instituições médicas, mas ainda é prematuro  avaliar seus reais benefícios e suas vantagens em relação aos modelos pedagógico-curriculares anteriores.

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