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sábado, 4 de junho de 2011

Uma garota Nota 10

             Estava escrito à mão sobre uma folha de caderno, fortuitamente encontrada no banco de trás de meu carro, pois ela havia deixado distraidamente juntamenete com outros pertences. No auge de seus 18 anos, a garota gostava mesmo de escrever. Não recordo o título da redação, mas nunca esqueci a observação do professor: “Parabéns, você tem muito talento; a história está ótima, nota dez!” Por um certo tempo aquela redação permaneceu esquecida, perdida em minha estante no interior de algum livro.
Dia desses, vasculhando meus alfarrábios, a encontro com muita alegria. Então, recrio aqui a história fictícia mas quase real, de uma garota real, mas quase fictícia, que ousou preencher o vazio de minhas noites de inverno nos idos de 1997 e 1998. Não se trata aqui de um culto ao obsoleto, apenas uma gostosa recordação de uma inteligente e talentosa ex-namorada e a quem devoto essa singela homenagem pelos bons momentos que passamos juntos.
            Era domingo, uma típica manhã de inverno na cidade das mangueiras. Uma fina garoa teimava em cair sobre os caminhares apressados dos transeuntes. Foi ali que ela surgiu, trajando um vestido branco, aliás, não era apenas um vestido, era um longo com lugar para o pescoço e para os braços, parecendo mas roupa de primeira comunhão. Confesso que por um instante pensei que ela tivesse enlouquecido andando daquele jeito pela avenida Presidente Vargas.
           A certa altura permaneceu parada, deixando que eu a visse. Então,  aproximou-se e com os olhos cheios d’água, falou-me pausadamente: - Oi Alexandre, vim me despedir, pois estou indo embora, não dá mas para viver aqui. -   Antes mesmo que eu retrucasse, ela continuou - Estou indo porque dei-me conta de que meu apartamento está infestado por pequenos seres velozes e nojentos, que não sossegam enquanto não devoram meus restos de alimento, minhas roupas, meus papeis, meus pertences. Estão em todo lugar e já ameaçam minha higiene física e espiritual.
           Aquelas coisas asquerosas parecem querer vencer-me pelo cansaço e finalmente, acho que conseguiram. Não agüento mais aquelas corridas em zigui-zague, subindo pelos móveis, voando e fazendo aquele barulhinho infernal como chuva caindo em coberta de lona. E para completar, esses seres ainda possuem uma aparência dantesca, gerando ancias de vômito. Baratas me mordam!
         São tantas que mesmo durante o dia, vê-se o transito como se noite fosse. Cansei! Olha que eu tentei... tentei vários artifícios. De primeiro, comprei veneno líquido, depois pozinho, naftalina, inseticidas, fórmulas caseiras e até tentei com a presença de gatos no apartamento mas nada adiantou. Promovi um mutirão para cassa-las à chineladas e negatofe, detetizadores e nananina. Finalmente lá pelas tantas, tentei usar a diplomacia, implorando sentimentalmente que me deixassem em paz e logo, tive um ataque de risos ao perceber-me diante daquela situação ridiculamente absurda, sem dúvida um momento de pura insanidade.
         Em diversas noites, cheguei a ter alucinações pavorosas, enxergando baratas gigantes adentrando pela janela de meu quarto. Diante de tantos transtornos, cogitei algo que parecia a cura: ir embora para algum lugar distante. Quem sabe China, Afeganistão, Polinésia... claro! Polinésia. Sabe, esse nome sempre me chamou a atenção, poli (muitos). Mas qual seria a abundância nesse país? Baratas? Eca! Bom, vou arriscar, está decidido, partirei as cinco da tarde de hoje e vim te dar um último beijo.
        - Aquele foi o último dia em que meus olhos percorreram aquela pele morena, difícil de definir mas gostosa de ver. Se realmente ela foi morar na Polinésia, jamais fiquei sabendo. Contudo, desde daquele dia, estranhamente, nunca mais foi retirado da janela de seu antigo apartamento, localizado na avenida Gov. José Malcher, esquina com a 14 de março, uma placa que anunciava em letras garrafas: “alugamos ou vendemos, tratar no local, com Polinésio Barata, corretor e detetizador.” Até hoje fico pensando que estranha coincidência essa? Eca!

Publicado no Amazônia Jornal em 27 de dezembro de 2005

Um comentário:

  1. Simmmmmmmmmmmmmmm, tu não atualizas esse negócio não? rsrsrs

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