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domingo, 24 de abril de 2011

O fenômeno Círio de Nossa Senhora de Nazaré

Segundo registros históricos, a grande festa religiosa de Belém do Pará - o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, tem ocorrido desde 1793, sempre no segundo domingo de outubro. Este é um evento que muda a rotina dos que residem em Belém, quer sejam católicos ou não. Lembro de alguns episódios de infância relacionados a este período. Meus pais sempre vivenciaram com fé este impressionante evento. Mamãe atualmente no auge dos 68 anos de idade ainda é capaz de assistir presencialmente  junto a multidão, seja no sábado à noite ou na manha de domingo. Na década de oitenta, papai percorreu a romaria de domingo, na corda, durante cinco anos consecutivos, deixando seu legado de fé neste evento.
Nunca tive disposição (e motivação) suficiente para acompanhar a romaria, mas o Círio de Nossa Senhora de Nazaré sempre esteve presente em minha vida, seja como expectador in loco ou simplesmente via TV. Não obstante, nunca essa festa foi tão marcante quanto o Círio 200, ocorrido em 1992.
A novidade naquele ano, além da participação da imagem original na romaria, foi os feixes de raio laser de tonalidades azul e vermelho disparados de um ponto a outro na confluência da Av. Pres. Vargas com Castilho França. Obviamente uma novidade para mim, alguém que nunca esteve presente nos mega-eventos e shows musicais, cuja tecnologia do laser já era um fato rotineiro.
 Aquele espetáculo de luz condensada, viajando sobre nossas cabeças sem se dissipar, foi fonte de encantamento e reflexão. Surpreendia-me ver aquele fluído brilhante percorrendo o espaço retilineamente, penetrando nas nuvens de fumaça produzidas pelos tradicionais fogos de artifícios.
O laser homenageava a padroeira da Amazônia durante o translado da berlinda. Por algumas horas, minha experiência de fé cedia lugar a curiosidade científica, assistir aquelas luzes desenharem sobre a superfície no alto dos prédios, ícones do Círio. 
Divagava sobre como seria constituída a fonte daqueles feixes luminosos. O feixe de luz era quente? Seria capaz de causar queimaduras na pele? Como aquela luz permanecia tão concentrada ao percorrer todo aquele espaço? Enfim, os pensamentos transbordavam daquela cabeça imatura e cheia de expectativas.
Passados dezoito anos, muitos Círios ocorrem na capital paraense, o mundo já não era o mesmo e as pessoas não se admiravam diante dos raios laser, pois a muito já estavam inseridos em nosso cotidiano. Contudo, o Círio de 2010 novamente me causou admiração, tão significativos e marcantes quanto aquele dos raios laser. Desta vez não com a tecnologia utilizada na festa, mas a manifestação de fé dos milhares de devotos pagadores de promessas.
Este Círio foi o meu segundo “Círio de lux”, pela primeira vez tive a oportunidade de acompanhar de perto, lances importantes da procissão e fotografa-los. Foi necessário acordar cedo, estar no lugar e na hora certa. Com as orientações certas de fotógrafos como os ilustres amigos Socorro Gonçalves, Irene Almeida, Valério Silveira, entre outros, pude testemunhar e registrar através de minha câmera fotográfica, a descomunal expressão de fé do povo paraense.
Ainda que as imagens captadas revelem detalhes já conhecidos de todos, assistidas pela televisão ou através de publicações em jornais, estar presente ali, lado a lado aos pagadores de promessa, ouvindo a respiração ofegante, quase podendo sentir o calor do corpo, os odores, o suor, os cânticos, as orações, as lágrimas é simplesmente uma experiencia única. Ver aqueles múltiplos pés compassados ao ritmo do coração, presenciar as faces daquelas pessoas ao exprimirem o semblante de dor, sofrimento, cansaço e, paradoxalmente, paz e tranquilidade, ver tudo aquilo de perto, no exato momento em que acontece, te remete de volta  ao teu templo interior.
 Aquelas diversificadas fisionomias transmitindo alegria e realização interior, contagiando os mais incrédulos, foi um convite a refletir no significado profundo da penitência. 
Para a ciência o corpo humano é uma máquina que funciona segundo leis naturais; porém, quando se lança um olhar mais atento a certas facetas da existência humana, somos inclinados a aceitar que não é apenas isso. Além de nossas células, tecidos e órgãos, existe uma força invisível, indetectável aos (atuais) instrumentos científicos, que move essa máquina maravilhosa. É exatamente essa energia imaterial que faz com que haja beleza e significado sublime no penhor da fé expressa na penitência de homens e mulheres, resignados a agradecer as graças alcançadas. Parabéns aos paraenses, parabéns a todos aqueles que tornam possível a realização desta festa grandiosa com toda a sua dimensão religiosa, política, econômica, social e profana. Eternizar estes momentos atrás das lentes foi uma lição de vida. Parabéns Nazica, nossa Santinha, mãezinha rainha da Amazônia.

Um comentário:

  1. Após eu ter concluído o famoso curso de fotografia digital oferecido pela Associação Fotoativa e ministrado pelo professor Valério Silveira, muitas foram as oportunidades de praticar essa mais recente atividade de lazer. Contudo, após essa experiência, meu olhar sobre o ato de fotografar mudou radicalmente. Certamente não sou um profissional da área e provavelmente jamais serei, mas como toda atividade artística, qualquer entusiasta está livre para praticá-la, estuda-lá e mergulhar fundo na exuberancia de seus aspectos objetivos e subjetivos e neste sentido, e somente neste sentido, sinto-me satisfeito e inspirado a compartilhar o meu modesto conhecimento adquirido, na esperança de poder "contaminar" mais e mais amantes deste ofíco-arte-cultural.

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