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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Educadores sim, caducadores jamais


Segundo o ilustre escritor L. F. Veríssimo, a origem da palavra sacanagem pode ter vindo de um galicismo adaptado sac a nager, bolsas de ar que ajudavam os franceses a flutuar. Especula-se que devido à prática inglesa de furar os sacos para afundar os franceses durante a guerra, tenha surgido essa utilitária palavra. Se assim for, pode-se até imaginar os franceses gritando: 'Mon sac a nager, Mon sac a nager!' (muita sacanagem, muita sacanagem). Elucubração à parte, lembrou-me de uma situação recente ocorrida nos dias que precederam o Corpus Christi. Foi durante o X Encontro Nacional de Aleitamento Materno realizado no Centro de convenções de Belém.


Em certa ocasião, fui interpelado por uma distinta senhorita, até então completamente desconhecida. Com a expressão fechada, lábios cerrados e caminhar ligeiro vindo em minha direção, abordou-me enfaticamente: 'Acho uma sacanagem ficarmos sem aula há mais de um mês. Iremos perder o ano letivo?' Logo ficou claro tratar-se de uma aluna manifestando sua preocupação mediante a falta de aulas por conta da greve dos educadores das instituições públicas de ensino pertencente à esfera estadual.


Não pretendo entrar nos méritos dessa delicada e complexa questão. Entretanto, diga-se de passagem, que dediquei tempo suficiente para esclarecer minha interlocutora sobre seus equívocos de visão e tentar sanar os possíveis mal-entendidos tão peculiares em reivindicações e impasses envolvendo interesses coletivos e direitos trabalhistas. Note-se que a aluna ouviu-me atentamente e ao final, saiu com uma expressão mais leve e menos aflita, demonstrando por fim, compreensão e apoio à causa. Mas, não queremos fazer proselitismos, tampouco, 'tentar tapar o sol com a peneira'. A bem da verdade, o ano letivo da referida aluna e de tantos outros alunos(as) já estava, por assim dizer, comprometido antes mesmo à deflagração da greve. Explica-se.


É sabido que o acúmulo de pequenos problemas no sistema público de ensino tem como herança maldita a extrema dificuldade de se realizar ações capazes de gerar entusiasmo e participação dos alunos. Sem o devido aporte técnico e valorização profissional, as práticas de ensino ficam congeladas no passado. Com a crescente desmotivação profissional, agravada pela progressiva desqualificação teórica, as atividades didático-pedagógicas acabam se apropriando de metodologias de ensino arcaicas e monótonas se distanciando do cotidiano e da realidade sócio-cultural dos alunos e da comunidade.


No dizer do educador professor Merivaldo Paiva, é inaceitável que os profissionais da educação se tornem castradores de inteligências, tal qual alguns 'maceteiros de plantão' e dublês de professor atuantes em controversos cursinhos pré-vestibulares. No sentido tão somente de colaborar com a resolutividade dos impasses, arrisco uma sugestão que poderia ser empreendida senão no momento atual, pelo menos em momentos futuros de reivindicações e embates de igual natureza.


Durante o período de paralisação das aulas no interior das escolas, nós educadores poderíamos incluir na agenda de manifestações estratégicas, a execução de eventos didático-culturais, subsidiando aulas com temas livres voltadas as orientações e informações sobre o estado de greve. Poderíamos elaborar oficinas, mini-cursos, debates, dramatizações teatrais, tudo com a participação efetiva de nossos alunos, de líderes comunitários e toda a comunidade escolar.


Tal manifestação seria realizada regularmente em espaços públicos com fins eminentemente informativos, culturais e pacíficos revelando para quem quisesse ver, a realidade a qual estamos sujeitos a conviver no interior e no entorno das escolas públicas. Bem provavelmente contariam com a cobertura da mídia, corroborando ainda mais para a disseminação da informação e dissolução dos indesejáveis mal-entendidos, de forma aguda e dramática. Seria uma bela oportunidade de discutirmos soluções não apenas com o poder público, mas, sobretudo, junto à comunidade.


Não podemos assumir a postura de cúmplices do aprisionamento de corações e mentes. Pensar e discutir essas questões junto aos alunos e comunidade é assumir uma postura crítica e pró-ativa mediante a opinião pública, impedindo que a educação pública deixe de ser um bem comum para se tornar um serviço privado em larga escala. Essas medidas não seriam tarefa de caridade, mas um dever cívico e moral de todos nós, educadores comprometidos com o futuro da nação e assim, demonstraríamos de forma mais eficaz que o ato de grevar não corresponde à definição banal de 'sacanagem'. É pois, um instrumento legítimo de reivindicações e de luta dos trabalhadores com a intenção explícita de sensibilizar nossos governantes, demovendo-os de suas visões ocasionalmente míopes.

(Publicado no caderno opinião de O Liberal, 14/06/2008)

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